A Solidão de Jesus na Cruz

  • 10/07/2025
 A Solidão de Jesus na Cruz
A Solidão de Jesus na Cruz (Foto: Reprodução)

A exclamação de Jesus na cruz, registrada em Mateus 27.46 e Marcos 15.34 (Eli, Eli, lemá sabactani? - “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?”), é um dos momentos mais densos e paradoxais da narrativa da Paixão. Sua análise exegético-teológica revela profundidades sobre a natureza de Cristo, a extensão do seu sacrifício e a complexidade da relação entre o Pai e o Filho no clímax da redenção.

Em um pressuposto exegético, observamos um contexto imediato: a) Cronologia: Esta exclamação ocorre por volta da hora nona (aproximadamente 15h), no auge da agonia física e espiritual de Jesus na cruz. b) Ambiente: Jesus está pregado na cruz, sofrendo dores excruciantes, humilhação pública e a escuridão que cobre a terra (Mateus 27.45; Marcos 15.33). c) Audiência: Presentes estão soldados romanos, líderes religiosos judeus, curiosos e algumas mulheres que o seguiam. Suas reações variam entre zombaria, incredulidade e tristeza.

A análise linguística apresenta: a) “Eli, Eli”: Esta é a forma aramaica (a língua falada por Jesus) do hebraico “Elohim” (“Meu Deus”). Marcos preserva a forma aramaica, enquanto Mateus a traduz para o grego. b) “lemá sabactâni?”: Esta também é uma frase em aramaico, traduzida para o grego como “τι ἐγκατέλιπές με;” (ti egkatelipes me?), que significa “por que me abandonaste?”, “por que me desamparaste?”. c) Citação do Salmo 22: É crucial reconhecer que esta frase é uma citação direta do Salmo 22.1 (no hebraico, “Eli, Eli, lamah azavtani”). Isso sugere que Jesus estava consciente das Escrituras e que sua experiência na cruz estava de alguma forma alinhada com as profecias messiânicas e os lamentos do salmista.

Alguns interpretam erroneamente esta exclamação como evidência de que Jesus perdeu sua natureza divina ou que a Trindade se desfez momentaneamente. Essa interpretação não se sustenta na teologia cristã ortodoxa, que afirma a união hipostática (a união plena das naturezas divina e humana em Cristo).

Outros veem nesta frase um grito de desespero total e uma falha na fé de Jesus. No entanto, considerar apenas essa frase isoladamente ignora o contexto mais amplo de sua vida e ministério, marcados por obediência e confiança no Pai.

A profundidade teológica desta exclamação reside em múltiplos aspectos:

1. Identificação com a humanidade sofredora: Ao clamar as palavras do Salmo 22, Jesus se identifica profundamente com a experiência humana de sofrimento, abandono e angústia. O Salmo 22 é um lamento de um justo que se sente abandonado por Deus em meio à perseguição. Ao fazer suas, essas palavras, Jesus assume plenamente a condição humana, experimentando a dor da separação e a sensação de desamparo que muitos sentem em momentos de crise.

2. Assumindo o peso do pecado: Teologicamente, a explicação mais profunda para o “desamparo” sentido por Jesus reside no fato de que, na cruz, ele estava carregando o peso do pecado da humanidade. 2 Coríntios 5.21 afirma: “Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” A santidade absoluta de Deus não pode tolerar o pecado. Ao tomar sobre si a culpa da humanidade, Jesus experimentou uma forma única de separação do Pai, não em termos de sua natureza divina, mas em termos da comunhão íntima e da alegria da presença divina. É como se o pecado, como uma barreira escura e densa, tivesse temporariamente obscurecido a face do Pai para o Filho.

3. O mistério da Trindade: Esta exclamação revela a complexidade da relação dentro da Trindade durante o evento da cruz. Embora Pai e Filho sejam um em essência, eles mantêm distinções pessoais. O Pai, em sua justiça, não poupou seu próprio Filho, mas o entregou para sofrer as consequências do pecado. O Filho, em sua obediência amorosa, se submeteu à vontade do Pai, mesmo experimentando essa terrível sensação de abandono. Este momento paradoxal demonstra tanto a unidade quanto a distinção dentro da Trindade no plano da redenção.

4. A profundidade do sacrifício: O grito de desamparo revela a profundidade do sacrifício de Jesus. Não foi apenas um sofrimento físico, mas também um sofrimento espiritual e relacional. Ele experimentou a solidão extrema e a sensação de estar separado daquele com quem tinha uma comunhão perfeita desde a eternidade. Essa experiência de “desamparo” é parte do preço que ele pagou para reconciliar a humanidade com Deus.

5. Um grito de vitória silenciosa: Embora seja um grito de aparente desespero, a citação do Salmo 22 também carrega consigo uma esperança subjacente. O Salmo 22 não termina com o abandono, mas com louvor e reconhecimento da vitória de Deus. Ao recitar estas palavras, Jesus pode estar expressando sua confiança final de que, mesmo na profundidade do sofrimento, o plano redentor de Deus se cumpriria e a vitória sobre o pecado e a morte seria alcançada.

Quanto às implicações teológicas, o grito de Jesus revela a terrível seriedade do pecado, que causa separação entre Deus e a humanidade, e que exigiu um sacrifício tão grande para ser expiado. O fato de o Pai ter permitido que seu Filho amado passasse por tal sofrimento demonstra a imensidão do seu amor pela humanidade. A disposição de Jesus em suportar até mesmo a sensação de abandono por amor e obediência ao Pai é um exemplo supremo de entrega e sacrifício.

Para os crentes, a experiência de Jesus na cruz oferece conforto e esperança em meio ao sofrimento. Se até mesmo o Filho de Deus experimentou a sensação de abandono, isso não significa necessariamente que Deus nos abandonou em nossas próprias provações. Pelo contrário, sua identificação com o sofrimento humano nos assegura sua presença e compaixão.

A exclamação de Jesus na cruz, “Pai, por que me desamparaste?”, é muito mais do que um simples grito de dor. É uma declaração carregada de significado teológico, que revela a profundidade da sua identificação com a humanidade sofredora, o peso do pecado que ele carregou, a complexidade da Trindade no plano da redenção e a imensidão do seu sacrifício. Ao analisar exegética e teologicamente estas palavras, somos confrontados com a terrível realidade do pecado e o glorioso mistério do amor de Deus manifestado na cruz de Cristo. Este grito, aparentemente de desespero, ecoa através da história como um testemunho da vitória final sobre o pecado e a morte, e da promessa de que, em Cristo, nunca estamos verdadeiramente sozinhos.

 

Daniel Santos Ramos (@profdanielramos) é professor, possui Licenciatura em Letras Português-Inglês (UNICV, 2024) e bacharelado em Teologia (PUC MINAS, 2013). Pós-graduado em Docência em Letras e Práticas Pedagógicas (FACULESTE, 2023). Mestre em Teologia (FAJE, 2015). Atualmente é colunista do Portal Guia-me, professor de Língua Portuguesa no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio e de Língua Inglesa no Ensino Fundamental (ll) da SEE-MG, professor de Teologia no IETEB e professor de Português Instrumental do IE São Camilo. Escreveu dois livros, "Curso de Teologia: Vida com Propósito" (AMOB, 2023) e "Novo Curso de Teologia: Vida com Propósito (IETEB, 2025). Além de possuir mais de 20 anos de experiência na ministração da Palavra. É membro da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (desde sempre), congrega no Templo Central.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: A espiral do silêncio e as igrejas evangélicas: Questionar é proibido!

FONTE: http://guiame.com.br/colunistas/daniel-ramos/solidao-de-jesus-na-cruz.html


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